Piracicaba sofre com problemas na cadeia de fornecimento de alimentos de origem animal

Nikolas Guerrero

Pesquisa observa impasses nas entregas e conferências nas unidades escolares de Ensino Infantil do município

Escolas do Ensino Infantil de Piracicaba enfrentaram problemas no programa de fornecimento de alimentos de origem animal. As principais dificuldades estão nos descritivos dos produtos, no atendimento às regras dos procedimentos licitatórios e na elaboração dos padrões de qualidade.

Essas informações estão no estudo “Cadeia de fornecimento de alimentos de origem animal na alimentação escolar: um estudo de caso no município de Piracicaba”, concluído, em 2018, pela mestranda da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da Universidade de São Paulo – FZEA-USP, de Piracicaba, Morgana Paris Baston.

A pesquisa também conta com a orientação do Profº Drº Cesar Gonçalves de Lima, da FZEA-USP, e a co-orientação da Profª Drª Mariana Vieira da Silva, da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da Universidade de São Paulo – ESALQ-USP.

A PESQUISA

No município de Piracicaba a alimentação escolar possui duas formas de gestão: a autogestão (nas escolas de Ensino Infantil) e a terceirizada (nas escolas de Ensino Fundamental e Médio.

“Nesse sentido, como o objetivo foi analisar a cadeia de fornecimento de alimentos, optou-se pelas escolas administradas pela autogestão”, explica Morgana.

Existem muitas legislações que são aplicadas ao controle sanitário e de qualidade. Porém, na pesquisa foi utilizada a Resolução nº 216 de 15 de setembro de 2004, do Ministério da Saúde, e a CVS (Centro de Vigilância Sanitária) 5 de 9 de abril de 2013, da Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo.

Morgana explica que “a equipe gestora do programa possuía dificuldades para elaborar os descritivos para a compra dos produtos de origem animal, no cumprimento das regras dos processos licitatórios e os padrões de qualidade dos produtos adquiridos, desde o momento do recebimento até a entrega nas escolas”.

Nos editais licitatórios, que indicam as condições do acordo firmado com os fornecedores, constavam que análises sensoriais são realizadas no momento do recebimento do produto. Porém, não especificavam detalhadamente quais são essas análises.

“Esses problemas podem comprometer a qualidade dos alimentos adquiridos e a execução do cardápio planejado”, explica a pesquisadora.

Outro problema assinalado foi o da troca e reposição dos produtos recusados no momento da entrega. Das nove empresas fornecedoras, que entregaram produtos de origem animal para as escolas em 2017, três aceitaram participar da pesquisa.

“Sobre a recusa dos produtos, dois fornecedores alegaram que, quando isto acontece, realizam a reposição no prazo estipulado no edital. Um fornecedor afirmou já ter questionado o motivo da recusa de algum produto. Enquanto outro alegou muita demora no momento do recebimento dos produtos”, afirma Morgana.

Apenas uma empresa alegou que os preços dos produtos do acordo possuem valores inferiores aos praticados no mercado.

“Cumpre salientar que para determinar os preços dos produtos nas licitações, é realizada uma pesquisa de preço de mercado, com a participação de no mínimo três fornecedores diferentes, para então ser definido o valor médio.”

OS MERENDEIROS

Participaram da pesquisa 77 merendeiros e merendeiras, que correspondem a 21,32% do quadro total dessa categoria no município de Piracicaba.

No processo de recebimento dos produtos de origem animal nas unidades escolares, somente sete (9,1%) dos merendeiros indicou algum tipo de problema. Cinco deles indicaram problemas com a qualidade do produto, um indicou problemas com a embalagem e outro identificou produtos em descongelamento.

Nenhum participante indicou mais de um problema no recebimento dos produtos.

Sobre os itens avaliados durante o recebimento dos produtos: 92,2% dos merendeiros observam a integridade dos produtos e das embalagens; 74% verificam a temperatura dos produtos; 73% conferem a qualidade dos produtos e 82% deles vêem a rotulagem dos produtos.

Quando é encontrado algum produto em não conformidade, Morgana explica que a Divisão de Alimentação e Nutrição adota os procedimentos de “registro dos fatos, envio de solicitação à empresa de reposição mediata dos produtos e aviso sobre o ocorrido à Procuradoria Jurídica do município, com a finalidade de apurar as ocorrências de irregularidades no cumprimento do contrato”.

Nesse sentido, dos procedimentos adotados pelas merendeiras quando um produto é recusado: 53,2% relataram assinalar a nota fiscal ou guia de recebimento; 85,7% avisam a Divisão; 46,8% comunicam a direção da unidade escolar; 54,5% solicitam a reposição e somente 3,9% entram em contato com os fornecedores.

“Os resultados apresentados indicam que não são nítidas as ações que os merendeiros e as merendeiras devem assumir quando há recusa de produtos”, conclui Morgana.

INTERVENÇÃO

Daisy Diniz Eluf era a gerente de alimentação de Piracicaba no período em que foi realizada a pesquisa. Segundo Morgana, “ela procurava solucionar os impasses que surgiram, buscando apoio das equipes da Secretaria de Educação do município”.

Então, o grupo de pesquisa mostrou algumas ações para minimizar os impasses verificados.

Em relação à elaboração dos editais licitatórios, foi sugerido que a equipe da Divisão se aliasse a grupos especializados, como a equipe jurídica do município e outros especialistas e pesquisadores de produtos de origem animal.

“A parceria com equipes responsáveis pela alimentação escolar de outros municípios pode contribuir para a troca de experiências, bem como minimizar os impasses citados”, diz a pesquisadora.

Foi aconselhado também associar as análises sensoriais com outras investigações laboratoriais periódicas e visitas técnicas aos fornecedores para a manutenção da qualidade dos produtos destinados a alimentação escolar.

Problemas relacionados ao armazenamento dos produtos nas câmaras frias poderiam ser resolvidos com a inclusão de cláusulas nos editais licitatórios que transfiram a responsabilidade da entrega dos produtos para as empresas.

“Com isso não haverá a necessidade de manter câmaras frias no local de armazenamento dos produtos e desobrigará o município de arcar com toda a estrutura logística necessária para o transporte.”

Referente à troca e reposição de produtos reprovados no momento das entregas, seja pelo não cumprimento das datas ou pela qualidade, sugeriu-se a revisão das cláusulas contratuais que mencionam as penalidades administrativas sofridas pelas empresas, para acabar com esse tipo de ocorrência.

“Os procedimentos adotados no momento da recusa dos alimentos de origem animal devem ser padronizados, pois foram verificadas divergências nas condutas empregadas pelos merendeiros”, diz Morgana.

Por fim, a pesquisadora afirma que “esses profissionais, desde que devidamente capacitados, devem ser responsáveis pela correta conferência dos alimentos no momento do recebimento dos produtos nas unidades escolares, verificando a integridade das embalagens, como também a higiene dos entregadores e dos veículos utilizados”.