Lavouras da Região de Ribeirão Preto ofereceram resistência ao fim da escravidão

Níkolas Guerrero

Em 1887, a população escravizada correspondia a 13,2% do total de habitantes do município

Em 1850, foi declarada a Lei Euzébio de Queiróz, que impedia o tráfico negreiro internacional, dando início à crise da mão de obra escrava no Brasil. Contrariando a versão da historiografia tradicional, a região de Ribeirão Preto era fortemente escravista, mesmo anos antes da assinatura da Lei Áurea, em 1888.

É o que conta o professor e pesquisador José Antônio Lages em seu livro “Ribeirão Preto Revisitada”. Segundo ele, a expansão das lavouras de café, incluindo a região da Mogiana, nas décadas de 1870 e 1880, dependeu desse tipo de trabalho.

“Você tem referências muito claras dos irmãos Barretos, na região de Cravinhos. Na região de Ribeirão Preto tem o João Franco de Morais Otávio, que foi o primeiro grande cafeicultor. Isso ainda na década de 80”, explica Lages.

Segundo um estudo da doutora em Histórica Econômica pela USP, Luciana Suares Lopes, através de arquivos dos Fóruns de São Simão e Ribeirão Preto, constatou-se que em 1887, de 10.420 habitantes, os escravos representavam 13,2% da população total no município. Aproximadamente 70% dos escravos trabalhavam na lavoura e a maioria eram homens de 16 a 45 anos.

Enquanto que no resto do país a mão de obra escrava já estava decadente, em Ribeirão Preto, e nos demais municípios de São Paulo, esse tipo de produção aumentou. “Aqui [em São Paulo] ainda havia um grande número de escravos. Esses foram comprados de outras províncias, nas duas últimas décadas”, explica Lages.

Quando a mão de obra escrava também decaiu em algumas províncias de São Paulo, como o Vale do Paraíba, os negros eram comprados pelos municípios e províncias do chamado “Oeste Novo” Paulista.

“O que se convencionou a chamar de Oeste Paulista não é propriamente o oeste geograficamente considerado, que seria, por exemplo, a região de Araçatuba e São José do Rio Preto. Essa já era uma expressão muito utilizada antes da expansão da lavoura cafeeira. Quando se fala em Oeste Paulista é o oeste de São Paulo, em relação ao Sul de Minas.”

OS IMIGRANTES

De acordo com o livro de Lages, é com a chegada dos trilhos da Mogiana em 1883 que “marca o momento da desorganização definitiva da mão de obra escrava, seguindo o padrão geral da crise na principal província cafeeira do Império”. Isso significa a chegada dos imigrantes.

Antes da Mogiana , a presença dos imigrantes era mínima. No Censo Geral do Império, realizado em 1873, mostra apenas três portugueses residentes em Ribeirão Preto e dezessete em São Simão. Com a ligação ferroviária até o litoral, Ribeirão Preto e toda a região estavam abertos para que eles trabalhassem em seus cafezais.

Mas a imigração não aconteceu espontaneamente. Houve a contribuição das consequências da Revolução Industrial da Alemanha e da Itália (o êxodo rural, o desemprego, os baixos salários nas cidades etc) e as políticas de emigração dos países, que tentavam diminuir as manifestações sociais e anarquistas em seu território.

Com a oferta da mão de obra imigrante, o valor do braço escravo ficou mais caro. Começou-se a aceitar a Abolição como “um fato consumado”. A discussão entre os partidos, classes dominantes e abolicionistas eram sobre a forma e a profundidade das transformações, que a Abolição poderia trazer.

A aristocracia rural queria manter, o que o professor Lages chama de Consciência de Classe. “A classe aristocrática, donas de terras e escravos, tinha muito temor de que a libertação dos escravos pudesse conduzir a uma verdadeira revolução social.”

Ele continua dizendo que, “por conta disso, ela resistiu à abolição até onde foi possível resistir. Ela não aceita o modelo de abolição sem a indenização, o que acabou acontecendo, e tenta evitar, de todas as formas, que os antigos escravos se tornassem donos de terras.”

Uma referência para a aristocracia era a Guerra de Secessão, ou Guerra Civil, dos Estados Unidos. “Eles não queriam que acontecesse aqui o que aconteceu lá.”

Então a abolição acontece de uma forma muito controlada, de acordo com os interesses dessa aristocracia rural. Ela perde os escravos, mas não perde a terra, o controle sobre os trabalhadores e, principalmente, não perde o poder político.

Um representante desse pensamento mais conservador dos donos de escravos era o Clube da Lavoura de Campinas. O grupo fazia pressão no Governo Imperial para manter o trabalho escravo.

“Por isso que se diz, a princípio, que eles não eram a favor da imigração e tentavam evitar qualquer política favorável à entrada de imigrantes. Exatamente para usufruir da mão de obra escrava até onde fosse possível ou até que o governo facilitasse a imigração”, diz o professor.

E essa facilidade veio por meio da Família Prado, principalmente por Antônio Prado. Eles criaram um movimento que obrigou o Governo Imperial a assumir os gastos da imigração.

“Os fazendeiros não precisavam mais investir diretamente na importação da mão de obra. O governo, através da sociedade, dotava verbas para compra de passagens, agenciamento de trabalhadores na Europa, especialmente na Itália. E depois amortizavam-se estes gastos aqui no Brasil com os próprios imigrantes pagando-os, em dívidas eternas aos fazendeiros”, explica Lages, citando o jornalista e historiador Júlio José Chiavenato.

A QUEDA

E então, a escravidão em Ribeirão Preto chegou ao fim. “Os fazendeiros queriam se desfazer dessa mão de obra pois sabiam que não tinha mais resultado. O escravo acabou se tornando muito caro e as lavouras não podiam depender exclusivamente dele.”

Na sessão do dia 3 de Agosto de 1887, da 5ª Legislatura da Câmara Municipal de Ribeirão Preto (1887-1890), os vereadores aprovaram, por unanimidade, a libertação dos escravos em todo o município.

Foi uma proposta do monarquista Rodrigo Pereira Barreto, na tentativa de conservar a Consciência de Classe, já que o Governo Imperial também vivia os seus momentos finais.

“Os fazendeiros pressionavam o Governo Imperial para que os escravos libertos fossem indenizados. Ele, no entanto, tinha uma resistência muito grande, e acabou que a Abolição veio sem indenização”, explica Lages.

Segundo o professor, essa foi a questão política mais complicada do fim do Império, pois “os donos de escravos acabaram se transformando da noite para o dia de monarquistas para republicanos, exatamente pela questão da indenização. E nisso se tem lógica: a Abolição foi em 88 e a Proclamação da República no ano seguinte”.