Biotecnologias garantem produção de alimentos em meio às mudanças climáticas  

Biofertilizantes podem aumentar produtividade ao reter carbono no solo; novo estudo também aponta efeito termoprotetor de inoculantes diante do aquecimento global

Por Carolina Castro

O ano de 2024 foi o mais quente e seco já registrado na história do Brasil, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Ao todo, foram nove ondas de calor, enchentes históricas no Rio Grande do Sul e 30 milhões de hectares devastados pelo fogo, recorde absoluto de queimadas no interior do país, conforme o MapBiomas. 

No momento em que o clima extremo se impõe como o principal desafio da agricultura mundial, com queda de produtividade no campo e preocupações com a segurança alimentar da população, o setor de tecnologia e inovação brasileiro reage com alternativas. É o caso do uso de biotecnologias e soluções sustentáveis, aliadas essenciais para manter a produtividade das lavouras e proteger o futuro da produção de alimentos.

Essas biotecnologias reúnem um conjunto de inovações que unem ciência e natureza para melhorar o desempenho das plantas e a saúde do solo. Os biofertilizantes são compostos de microrganismos e extratos vegetais que restauram a fertilidade do solo, aumentam a retenção de água e favorecem o sequestro de carbono, importante ferramenta contra o aquecimento global. 

Os inoculantes biológicos, por sua vez, contêm bactérias benéficas que vivem em simbiose com as raízes e ajudam na absorção de nutrientes, reduzindo a dependência de adubos químicos, além de mostrarem seu efeito termoprotetor, em um estudo inédito realizado na Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto. Já o melhoramento genético permite desenvolver variedades mais resistentes à seca, ao calor extremo e às pragas.

Segundo o 6º Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças do Clima (IPCC), sem medidas de adaptação eficazes, a produtividade de culturas como milho e soja pode cair até 30% até meados do século 21, com impacto direto na alimentação da população. Em resposta, o agro conta com produtores como o Fábio Castro, de Batatais (SP), que investe em bioinsumos – produtos de origem biológica – como alternativa mais eficiente e sustentável em comparação com as versões químicas tradicionais.

Com culturas de soja, milho e cana-de-açúcar, Fábio acredita que a maior produtividade de seu negócio é consequência do uso de insumos biológicos. “Nas nossas áreas de campo comercial usamos como biodefensivo a pochonia, um micro-organismo, e notamos o incremento de dois a três sacos por hectare, só com a utilização dela”, afirma.

Ele conta que, há três anos, um dos motivos para iniciar o uso de bioinsumos foi saber que a utilização repetitiva de químicos causa uma resistência do patógeno, o que diminui a eficácia com o tempo. Além disso, percebe uma evolução no mercado biológico ao longo dos anos.

“Eu vejo no bioinsumo a próxima revolução dentro do agro, porque ela é uma alternativa para combater a resistência do químico e também é uma alternativa sustentável, que hoje é o principal pilar dentro da agricultura”, diz Fábio.

Cuidar do meio ambiente é cuidar da produção

Para auxiliar produtores na prática sustentável, empresas como a MyCarbon planejam sistemas baseados na agricultura regenerativa que buscam restaurar os ecossistemas agrícolas, aumentar a fertilidade do solo, gerar créditos de carbono e combater as mudanças climáticas.

Guilherme Ferraudo, gerente executivo da MyCarbon, diz que “a crescente adoção de produtos biológicos reflete não apenas a preocupação dos produtores com o meio ambiente, mas também uma busca estratégica por redução de custos de produção”. É o caso da substituição dos fertilizantes químicos pelos biofertilizantes, que são encontrados por preços mais baixos no mercado e podem ser feitos até mesmo pelo próprio produtor.

Segundo um levantamento feito pela CropLife Brasil, na safra 2024/25, 26% da área cultivada no Brasil recebeu bioinsumos, chegando a 156 milhões de hectares, um aumento de 13% em relação à safra anterior. Com esses números, o Brasil lidera mundialmente o uso de biofertilizantes e biodefensivos, conforme a pesquisa Global Farmer Insights 2024, da McKinsey & Company.

“As tecnologias de aplicação via drones já presentes na agricultura brasileira, permitiram o uso desses produtos de maneira menos agressiva, sem pisoteamento de plantas ou erros de dosagem. Isso torna o sistema produtivo mais resiliente e economicamente viável, principalmente em um cenário em que a sustentabilidade é cada vez mais exigida pelo mercado e pela sociedade”, completa Ferraudo.

Proteção de plantas e melhora do solo

Os biofertilizantes são formulados a partir de microrganismos e extratos vegetais, e atuam em sinergia com as plantas. Eles melhoram a estrutura e a fertilidade do solo, favorecem a ciclagem natural de nutrientes e aumentam a resistência das lavouras a doenças e ao estresse causado por calor e seca extremos.

Entre os exemplos de compostos de biofertilizantes estão os fungos micorrízicos, como o Glomus iranicum var. tenuihypharum, que formam uma simbiose com as raízes das plantas, de forma a melhorar a absorção de água e nutrientes e ajudar a reter carbono no solo, contribuindo para mitigar o aquecimento global.

Eles são uma alternativa promissora frente aos fertilizantes minerais, cuja fabricação é intensiva em energia fóssil e associada à emissão de gases de efeito estufa (GEE).

A engenheira agrônoma Emily Leite alerta para o papel do óxido nitroso (N₂O), gás com potencial de aquecimento global 265 vezes maior que o CO₂, liberado principalmente durante a decomposição de palha da cana-de-açúcar e pela atividade microbiana em solos quentes e úmidos.

Apesar de culturas, como a da cana, serem beneficiadas pelo aumento de temperatura, a engenheira explica que “esse benefício é frequentemente reduzido pelo aquecimento excessivo, que acelera o ciclo das culturas, diminui o enchimento de grãos e compromete a qualidade nutricional dos alimentos. Além disso, temperaturas mais altas favorecem pragas e patógenos e intensificam os riscos associados a secas e inundações.”

Segundo ela, o Brasil, maior produtor mundial de cana-de-açúcar, cultiva cerca de 9,3 milhões de hectares ao ano ainda e enfrenta o desafio de conciliar produtividade com sustentabilidade – campo em que a adoção dos bioinsumos tem se mostrado decisiva. 

“A adoção de biofertilizantes representa uma estratégia-chave para alinhar produtividade agrícola, conservação do solo e mitigação de impactos ambientais. Integrados a ferramentas de modelagem e práticas inovadoras de manejo, eles fortalecem a transição para sistemas de bioenergia e produção agrícola mais sustentáveis.”

Bactérias que aumentam a produtividade

Os inoculantes biológicos também são protagonistas dessa revolução verde. Segundo a pesquisa Global Farmer Insights 2024, da McKinsey & Company, eles são os responsáveis pelo Brasil ser o líder mundial no uso de bionutrientes.

O bioinoculante é uma solução que contém espécies de bactérias, que pode ser aplicado diretamente na semente, no solo ou na planta para aumentar a produtividade de forma mais sustentável. Ele ainda reduz a necessidade de fertilizantes químicos, que podem prejudicar a microfauna e a estrutura do solo de forma irreparável se usados inadequadamente.

De acordo com levantamento da Associação Nacional dos Produtores e Importadores de Inoculantes (ANPII), o setor de inoculantes biológicos vem apresentando crescimento continuado entre 2020 e 2024, com média anual de 14,7%. A cultura da soja lidera o uso, mas pesquisas já avançam para gramíneas como milho e cana-de-açúcar.

Eduardo Habermann, pesquisador do Departamento de Biologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP explica que “as mudanças climáticas não se resumem ao aumento de temperatura de forma isolada, mas sim ao aumento de temperatura associado ao aumento da concentração atmosférica de CO₂ e mudanças nos padrões de precipitação.”

Em pesquisa realizada por ele, a inoculação foi testada em gramíneas forrageiras, usadas na alimentação do gado. O estudo mostrou que o aumento de 2°C reduziu a produtividade e o valor nutricional das plantas, mas aquelas tratadas com inoculantes mantiveram maior teor nutricional e capacidade fotossintética.

“É a primeira vez que esse efeito termoprotetor da inoculação foi testado em condições de campo. Até então a gente tinha poucos estudos que tinham sido realizados com outras espécies em condições muito específicas e controladas de laboratório, o que dificulta a extrapolação para cultivos agrícolas. Então, de forma pioneira, isso foi levado para o campo por meio de um sistema de aquecimento de plantas ao ar livre que nós temos na USP de Ribeirão Preto, que até então é o único no país”, afirma Habermann.

Segundo o pesquisador, estudos brasileiros mostram que cada aumento de 1°C pode reduzir em até 6% a produtividade da soja. Se os efeitos protetores forem confirmados também nessa cultura, os inoculantes podem se tornar uma ferramenta decisiva contra os impactos do aquecimento global.

O papel do melhoramento genético

Outra aliada essencial é a biotecnologia aplicada ao melhoramento genético, que utiliza cruzamentos e engenharia molecular para criar plantas mais resistentes a estresses ambientais e com maior eficiência no uso de recursos naturais.

Dados da CropLife Brasil mostram que o país cultiva 56,9 milhões de hectares de lavouras transgênicas, incluindo soja, milho, algodão, feijão e cana-de-açúcar. Desde a introdução dessas variedades, a produção de soja aumentou quase 300%, enquanto a área plantada cresceu apenas 170%. No milho, a produção subiu 75%, com expansão de apenas 18% na área cultivada, o que demonstra o potencial de preservação ambiental da biotecnologia.

Segundo a CropLife, se o país ainda dependesse de variedades convencionais, seriam necessários 21,4 milhões de hectares adicionais para atingir o mesmo nível de produção.