Iniciativas com etanol de baixo carbono e novas parcerias posicionam o país como um potencial exportador de SAF, mas tecnologia ainda enfrenta barreiras para viabilidade econômica.
Por Jeniffer Santos
Com o setor de aviação buscando soluções para reduzir suas emissões de carbono, o Brasil avança no desenvolvimento do Combustível Sustentável de Aviação (SAF, sigla em inglês), que promete transformar o cenário aéreo global. Embora a tecnologia ainda enfrente desafios, as perspectivas de inovação e sustentabilidade seguem crescendo.
No centro dessas inovações está o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), que participa ativamente do desenvolvimento de padrões e métodos de certificação para o SAF. Cristiane Rodrigues, pesquisadora do Laboratório de Análise de Gases (Lanag) do instituto, ressalta que ele oferece suporte nas especificações técnicas de combustíveis para garantir a segurança e a qualidade do SAF.
“O Inmetro oferece suporte nas especificações de combustíveis por meio de medições, materiais de referência, padrões e ensaios de proficiência fornecidos pela Diretoria de Metrologia Científica, Industrial e Tecnológica (Dimci), junto ao regulador, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Brasil (ANP)”. Ela destaca ainda que esse apoio pode ser ampliado para a certificação do SAF, caso a ANP solicite.
Além disso, o Inmetro participou recentemente do Congresso da Rede Brasileira de Bioquerosene de Aviação e Hidrocarbonetos Sustentáveis, no qual foi discutida uma parceria com o Centro Internacional de Energias Renováveis (CIBiogás) para a produção de SAF a partir de biometano e hidrogênio renováveis, explorando a produção de hidrocarbonetos sintéticos.
“Projetos de parceria para especificação metrológica desses produtos podem ser celebrados entre as partes e o Inmetro, de modo a prover métodos validados e materiais de referência para o controle de qualidade nas especificações do produto”, comenta a pesquisadora.
Desafios na implementação do SAF
Apesar das inovações, o desenvolvimento do SAF no Brasil ainda enfrenta desafios importantes. Marcelo Eskenazi Magalhães, assessor de Inovação em Novos Negócios da usina São Martinho, explica que, embora a empresa ainda não produza SAF, está desenvolvendo planos para isso.
Vista do canavial para a Usina São Martinho, uma das maiores produtoras de etanol e açúcar do Brasil. Foto: Natália Cherubin
“Estamos monitorando o amadurecimento e barateamento da tecnologia e a integração de metodologias internacionais de cálculo do ciclo de vida do SAF com o Renovabio”. Ele também explica que a conversão do etanol de baixo carbono em SAF, por meio da rota de produção conhecida como ATJ (Alcohol-to-Jet), requer estudos técnicos mais aprofundados e redução de custos para torná-la viável economicamente. As projeções indicam que essa tecnologia poderá atender a demanda crescente por SAF no Brasil a partir de 2027.
No entanto, as práticas sustentáveis já são uma realidade na São Martinho, que possui unidades certificadas para a produção de etanol de baixa intensidade de carbono, essencial para a futura produção de SAF. A empresa utiliza técnicas como o uso de bioinsumos e controle biológico de pragas, reforçando o compromisso com uma agricultura de baixo impacto. “Nosso programa de descarbonização inclui práticas que promovem uma produção mais sustentável, o que nos posiciona para fornecer matéria-prima de baixa pegada de carbono para o SAF”, detalha Magalhães.
Sustentabilidade e projeções para o futuro
Os avanços na produção de SAF no Brasil são estratégicos não apenas para o mercado interno, mas também para a exportação, especialmente em um contexto de aumento da demanda global por combustíveis de baixo carbono. Marcela Anselmi, gerente técnica de Meio Ambiente e Transição Energética da ANAC, ressalta a importância do SAF no cenário ambiental.
“O SAF é um combustível de menor pegada de carbono e, portanto, contribui significativamente para a redução das emissões de gases do efeito estufa e os problemas ambientais a eles relacionados, como as mudanças climáticas”.
O Brasil está comprometido em reduzir suas emissões de gases de efeito estufa na aviação, especialmente com a recente entrada em vigor da Lei do Combustível do Futuro, aprovada no dia 9 de outubro de 2024. Essa nova legislação estabelece diretrizes para promover o uso de combustíveis sustentáveis, incluindo o SAF, que agora conta com um marco regulatório para sua produção e uso. A iniciativa prevê o uso progressivo do SAF em voos domésticos a partir de 2027, com metas anuais de substituição de combustíveis fósseis até 2050.
Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante cerimônia de Sanção do Projeto de Lei nº
528-2020 (Combustível do Futuro), na Base Aérea de Brasília. Foto: Ricardo Stuckert/PR
Segundo a Organização da Aviação Civil Internacional (OACI), o SAF poderá representar até 55% da redução das emissões do setor de aviação civil até 2050. Esse dado ressalta a importância de que tanto o governo quanto a iniciativa privada sigam investindo na tecnologia e ampliando o suporte regulatório para o setor de aviação sustentável.
Com o SAF, o Brasil se posiciona como um potencial líder na transição energética global, promovendo a sustentabilidade na aviação e incentivando o desenvolvimento de novas tecnologias para um futuro de menor emissão de carbono.
Comparativos com o querosene de aviação tradicional
Diferentemente do querosene de aviação (QAV), derivado do petróleo, o SAF oferece uma alternativa de baixo carbono para o setor, com potencial de reduzir as emissões de CO₂ em até 80% ao longo de seu ciclo de vida, segundo a Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA). Embora o SAF também produza gases de efeito estufa ao ser queimado, seu impacto ambiental é reduzido pela absorção de CO₂ no cultivo das matérias-primas, como a cana-de-açúcar, que fornece o etanol para o processo de conversão ATJ (Alcohol-to-Jet).
Para garantir essa sustentabilidade, a São Martinho, uma das principais produtoras de etanol de baixo carbono do país, adota práticas agrícolas de baixa emissão. “Este etanol de baixa intensidade de carbono é a matéria-prima considerada nos Planos de Negócios de Produção de SAF que a companhia tem avaliado para suportar suas análises sobre cenários futuros”, comenta Magalhães.
Viabilidade econômica e custos
Os desafios econômicos associados ao SAF também são uma questão relevante, uma vez que o combustível sustentável de aviação tende a ser mais caro que a querosene convencional. A Azul Linhas Aéreas, uma das empresas brasileiras que já realizou voos experimentais com SAF, observa que o alto custo de produção impacta na viabilidade e pode encarecer as passagens.
Aeronave da Azul estacionada na Base Aérea de Brasília. Foto: Ricardo Stuckert/PR
“O SAF vendido na Europa custa até cinco vezes mais do que o combustível convencional”, destaca Diogo Youssef, gerente executivo de Eficiência de Combustíveis da Azul.
Apesar disso, a perspectiva para o Brasil é otimista. Com as recentes certificações e o crescente interesse no mercado de exportação, especialistas acreditam que o país pode reduzir os custos logísticos ao se tornar produtor e fornecedor do combustível, como comenta Raphael Nascimento, diretor de Novos Negócios em Trading da Raízen.
“O Brasil tem potencial não apenas como fornecedor de matéria-prima (etanol), mas também para industrialização e produção do produto final, combustível de aviação (SAF)”.
O Brasil ocupa uma posição privilegiada na produção de biocombustíveis e pode expandir esse protagonismo para o SAF. Segundo Luciano Rodrigues, diretor de Inteligência Setorial da UNICA (União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia), o país possui vasta experiência e infraestrutura para avançar como um fornecedor global de SAF.
“O mercado de SAF pode ser um novo driver de demanda por biocombustíveis e, especificamente, por etanol no médio prazo”. Rodrigues destaca também a importância de incentivos e apoio governamental para que o país mantenha sua competitividade.
Para incentivar novos investimentos, o BNDES e a Finep destinaram R$ 6 bilhões a projetos de construção de refinarias de SAF. “Esses incentivos são essenciais para tornar o SAF viável economicamente e estruturar uma cadeia produtiva que possa atender tanto a demanda nacional quanto o mercado externo”, explica Anselmi.